Série Laércio Becker.
A Folha Rubro-Anil inicia nesta sexta a Série Laércio Becker. Com a
autorização deste grande escritor, serão publicadas, em partes, a obra “A Gramática dos Nomes de Clubes Brasileiros de Futebol”.
Para os amantes do futebol, uma boa pedida para “alimentar” ainda mais os
conhecimentos sobre o esporte mais popular do Brasil.
1. Introdução.
Como bem
coloca Arlei Damo, no futebol (e nos esportes em geral), é preciso distinguir
duas temporalidades distintas. De um lado, existe o tempo da partida em si, os
noventa minutos e tudo que nesse intervalo se desenrola. De outro, existe a
história, a tradição e a memória. É o tempo acumulado de todas as partidas
precedentes (um jurista diria: a jurisprudência), uma temporalidade cíclica, um
passado, que cria o que podemos chamar de patrimônio cultural de um
time.
Num
interessante estudo sobre a rivalidade entre pontepretanos e bugrinos, Márcio
Morato identifica o que ele chama de patrimônio de um time: clube ou sede,
história, hino, mascote, camisa, bandeira, cores, escudo, estádio e títulos. A
partir dessa definição, faz traça comparações entre os patrimônios dos grandes
rivais campineiros.
A ideia é
muito boa. Salvo engano, posso distinguir nesses elementos dois tipos de
patrimônio: um material (sede, estádio etc.) e um imaterial (história, hino,
nome, apelido etc.). Mas essa classificação que acabo de esboçar não é das
melhores, porque: (i) um escudo, uma bandeira, embora seja material em sua
existência física, está impresso na memória dos torcedores, como uma marca, um
logotipo, um símbolo; (ii) os títulos, integrantes do patrimônio
imaterial da história, são concretizados em troféus, patrimônio material, que
pode ser utilizado como um símbolo (p.ex., como faz o Fluminense com sua
Taça Olímpica); (iii) a mascote é, a princípio, imaterial, mas tende a
materializar-se em souvenirs e fantasias, reingressando no universo simbólico
como uma nova marca. Daí que, como bem colocou Hilário Franco Jr., o clube é “algo
etéreo, indefinível, que não é a sede social, não é o conjunto de dirigentes,
não é o grupo de jogadores, não é a multidão imprecisa de torcedores, é ao
mesmo tempo tudo isso e muito mais”.
Sendo
assim, começo o presente texto com uma sugestão que infelizmente não poderei
cumprir neste momento: um estudo do que poderíamos chamar de “semiologia dos
clubes brasileiros de futebol”. Semiologia em sentido amplo, para fazer um
estudo sistemático do significado e da organização de todos os “símbolos”
(também em sentido amplo) institucionais do clube, que marcam sua identidade:
nome, escudo, cores, mascote e hino. Algo semelhante ao que Hilário Franco Jr.
fez incidentalmente em A dança dos deuses. Vejamos o que foi publicado
até agora sobre esses elementos:
a) Quanto
às relações entre música e futebol, há pelo menos três livros: de Assis Ângelo,
de Beto Xavier e de Paulo Luna, mas nenhum com uma análise sistemática dos
hinos oficiais e extraoficiais dos clubes – como faz, p.ex., Julio Cesar Farias
em relação aos sambas de enredo.
b) Quanto
às mascotes, há três livros: o de Juarez Corrêa, que apresenta um levantamento
das mascotes desenhadas pelo autor, o de Pedro Linardi, que faz uma apreciação
de cunho mais zoológico, e o de Aristides Almeida Rocha, que realiza um estudo
realmente sistemático, só que restrito aos animais (e há mascotes que não são
animais). Sobre mascote e totemismo, Hilário Franco Jr., Thiago Passos de
Oliveira, Roberto Damatta e Elena Soárez.
c)
Escudos e cores merecem um estudo de heráldica. Há três livros: o Paulo Gini e
Rodolfo Rodrigues, com a evolução das camisas dos doze maiores times do Brasil,
o de Rodolfo Rodrigues, com um levantamento dos escudos do mundo inteiro, e o
de Luiz Fernando Bindi e José Renato Santiago Jr., que também faz um
levantamento, só que acompanhado de comentários sobre cada escudo.
Particularmente, acho que seria interessante um estudo a partir da heráldica,
ou seja: em vez de partir dos clubes, organizar e analisar os escudos conforme
a estrutura dos estudos heráldicos – formas dos escudos (história e
significados), cores (espécies e significados), elementos internos e externos
dos escudos (espécies e significados) etc. Pessoalmente, tentei algo nesse sentido
em meu artigo “As cruzes dos times de futebol”, centrado em apenas um dos
elementos heráldicos mais presentes nos escudos de clubes de futebol.
d) Os
nomes dos clubes exigem uma análise gramatical. São poucos os estudos a
respeito. Na realidade, só encontrei algo – e em tratamento incidental – nas
obras de Luiz Cesar Saraiva Feijó e de Maria do Carmo L. de Oliveira Fernández.
Aqui, tentaremos um esboço de uma apreciação mais ampla e sistemática. Digo
“esboço” porque esperamos que pesquisadores com mais competência acadêmica
possam desenvolver melhor o que foi aqui apenas iniciado.
(Obs.: na tentativa de privilegiar os aspectos
próprios da nomenclatura específica dos clubes, tive de adaptar alguns
conceitos da gramática pura).
Laércio Becker.
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