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domingo, 29 de abril de 2012

A Gramática dos Nomes de Clubes Brasileiros de Futebol. Parte III.


Série Laércio Becker.
A Folha Rubro-Anil encerra a obra de Laércio Becker. Leia a terceira parte de “A Gramática dos Nomes de Clubes Brasileiros de Futebol”. Se o amigo leitor gostou desta obra, acesse www.webartigos.com/autores/laerciobeckerhotmailcom. Outras obras esperam pela sua leitura.

3. Sintaxe

Vamos agora falar sobre a organização interna das palavras na composição dos nomes de clubes. Pelos exemplos que citaremos, veremos que, além do jogo e do vocabulário, o Brasil importou também a sintaxe.

3.1. Sintaxe inglesa

Comecemos pela sintaxe inglesa. Mesmo sem um levantamento estatístico, é a que parece preponderar, provavelmente devido à própria origem do esporte e à sua divulgação pelos ingleses que se espalharam pelo mundo (Hobsbawm tem uma passagem interessante sobre isso).

Como é sabido, na Inglaterra, para “clube de futebol” não se diz “club of football”, mas se inverte a ordem das palavras, dizendo: “football club”. Daí os nomes dos times ingleses: Chelsea Football Club, Liverpool Football Club, Manchester United Football Club etc. “Club football” significaria “futebol de clube”.

No entanto, incontáveis nomes de clubes brasileiros obedecem a essa sintaxe inglesa, que inverte a posição das palavras. Alguns, porque foram fundados diretamente por britânicos e seus descendentes. P.ex., São Paulo Athletic Club (cf. Mills), Paysandu Athletic Club (cf. Iorio), Rio Cricket & Athletic Association (cf. Iorio), Santos Athletic Club (cf. Araújo), Britannia Athletic Club (SP), Scottish Wanderers Football Club (SP).

Outros porque, embora fundados por maioria de brasileiros, foram liderados por ingleses ou em ambiente de trabalho de companhias inglesas. P.ex., The Bangu Athletic Club (cf. Molinari), Villa Nova Athletic Club (cf. Freitas), Jundiahy Foot Ball Club e Paulista Foot Ball Club (cf. Lucato).

Inúmeros outros, mesmo sem raízes inglesas, mas por inspiração nos demais clubes e por influência da tradição. P.ex., Comercial FC (SP), Campo Grande AC (RJ), Calouros do Ar FC (CE), Ferroviário AC (CE).

Note-se que, para a sintaxe inglesa estar presente, nem sequer há necessidade de utilização de palavras inglesas, como fazem, p.ex., Fluminense “Football Club” e America “Football Club”. Muitos nomes que inicialmente eram grafados em inglês depois foram traduzidos para o português com manutenção da sintaxe inglesa, p.ex., São Paulo Athletic Club e Paysandu Athletic Club, que foram aportuguesados no léxico, não na sintaxe, para: São Paulo Atlético Clube e Paissandu Atlético Clube.
Daí a inegável tradição brasileira de usar a sintaxe inglesa nos nomes dos clubes, apesar do uso dos termos traduzidos. P.ex., Bonsucesso Futebol Clube, Madureira Esporte Clube e Olaria Atlético Clube obedecem à sintaxe inglesa. Se fosse na sintaxe brasileira, seus nomes seriam: Clube de Futebol Bonsucesso, Clube Esportivo Madureira e Clube Atlético Olaria.

Luiz Cesar Saraiva Feijó chama isso de “anglicismo de sintaxe”. Segundo o autor, trata-se de um empréstimo sintático de construção, feito sob a forma de calque, ou seja, mediante cópia do modelo sintático da língua exportadora.

Em alguns casos, a tradução vocabular com manutenção da sintaxe inglesa apresenta um resultado que soa estranho ao ouvido não acostumado. P.ex., o Campos Athletic Association, de Campos dos Goytacazes (RJ), teve seu nome traduzido para o português, mas com manutenção da sintaxe inglesa original, o que resultou no nome atual: Campos Atlético Associação – que parece carecer de concordância nominal.

Há um caso bem interessante em que a parcial tradução vocabular (digo parcialmente porque não aportuguesaram o críquete) foi acompanhada de uma parcial tradução sintática. É o caso do Rio Cricket & Athletic Association, de Niterói (RJ), teve seu nome mudado para: Rio Cricket e Associação Atlética – provavelmente para manutenção da sigla RC&AA. Note-se que, se fosse adotada a solução do Campos AA, de manutenção total da sintaxe inglesa, o resultado seria talvez: Rio Cricket e Atlético Associação. Se fosse adotada a sintaxe luso-brasileira, seria algo como: Associação Atlética e de Cricket Rio.

No Japão, muitos clubes seguem a sintaxe inglesa, p.ex., Kashima Antlers Football Club, Yokohama Football Club. Assim também alguns clubes da comunidade japonesa ou com referências ao Japão, fundados no Brasil, p.ex., Japão FC (SP), Japonez Football Club (RJ). Mas é claro que há exceções, p.ex., a SE Matsubara (PR), que segue a sintaxe luso-brasileira.

Entre os países do Oriente Médio, também parece ser muito comum a sintaxe inglesa. P.ex., no Líbano, o Nejmeh Sporting Club e o Sagesse Sporting Club; em Israel, o Beitar Jerusalem Footballl Club, o Hapoel Tel Aviv Football Club e o Maccabi Haifa Football Club. No Brasil, é o caso do Syrio e Libanez AC (RJ), do Sírio Libanês FC (GO) e do Israelita SC (PE). No entanto, alguns clubes das colônias sírio-libanesa e israelita não seguem essa tendência. P.ex., SC Libanês (SP), SC Sírio (SP) e CA Syrio (SP) seguem a sintaxe alemã; já o carioca Grêmio Juvenil Kadima (cf. Malamud) prefere a sintaxe luso-brasileira.

De qualquer modo, o fato de esses clubes das colônias japonesa, sírio-libanesa e israelita terem uma ou outra sintaxe não significa que tenham se inspirado nos clubes de seus países, em que o futebol era então incipiente. É muito mais provável que a inspiração tenha sido obtida aqui mesmo, no Brasil, em que a tradição futebolística é mais forte.

3.2. Sintaxe alemã

A segunda sintaxe que observamos nos nomes de clubes brasileiros é a alemã. Assim como no idioma inglês, em alemão, as palavras “clube” e “futebol” são invertidas em relação à sintaxe luso-brasileira: é “Fußball Klub” (ou “Fußball Club”, no freqüentíssimo anglicismo), não “Klub von Fußball”. (Obs.: o sinal ß, o “Eszett” do alfabeto gótico, é a representação do dígrafo “ss” no idioma alemão. Não deve ser confundido com o sinal β, o beta do alfabeto grego, de som equivalente ao “b” do alfabeto latino).

Ao contrário dos clubes ingleses, que costumam terminar seus nomes com “Football Club”, os alemães costumam é iniciar os seus com “Fußball Club” e “Sport Club”, p.ex.: Fußball Club Bayern München (Munique), Fußball Club Kaiserlautern, Fußball Club Gelsenkirchen Schalke 04, Sport Club Paderborn. (Às vezes, porém, os alemães também adotam a sintaxe inglesa, p.ex., Hertha Berliner Sport Club.) Para ficar mais claro, vamos às fórmulas:

a) sintaxe inglesa = núcleo do nome + tipo de atividade (“atlético”, “esporte”, “futebol”) + tipo de entidade (“associação”, “clube”)

b) sintaxe alemã = tipo de atividade (“atlético”, “esporte”, “futebol”) + tipo de entidade (“clube”) + núcleo do nome

O melhor exemplo para ilustrar essa diferença é a comparação de dois clubes distintos com mesmos elementos essenciais – tipo de entidade (“clube”), tipo de atividade (“futebol”) e núcleo de nome (“Riograndense”) – mas sintaxes diferentes:

a) sintaxe inglesa: Riograndense FC – de Santa Maria (RS),
b) sintaxe alemã: FC Riograndense – de Rio Grande (RS).

Assim como os ingleses (Freyre), os alemães também têm uma forte tendência ao associativismo, i.e., à organização em clubes (cf. Fugmann e Tubino). Por isso, no início da implantação do futebol no Brasil, muitos clubes foram fundados por imigrantes alemães. Alguns inclusive mantendo o léxico alemão, p.ex., Fußball Club Porto Alegre (RS). O Fußball Manschaft [equipe ou grupo] Frisch Auf [sempre avante, vamos lá, mãos à obra], como já dissemos no item 2.2.4, não era exatamente um clube, mas o departamento de futebol da Sociedade Ginástica Turnerbund, de Porto Alegre (RS). Mesmo assim, é mais um exemplo de sintaxe (e léxico) alemã.

Inúmeros outros clubes brasileiros seguem a sintaxe alemã, mesmo sem adotar o léxico alemão. Às vezes em virtude da origem germânica de seus fundadores. P.ex., Sport Club Rio Grande (cf. Ramos). Outro exemplo: Hans Nobiling, influenciado pelo Sport Club Germania, de Hamburgo, fundou um clube com o mesmo nome em São Paulo. Mesmo quando o Germânia teve seu nome alterado em virtude da guerra, manteve a sintaxe alemã: Esporte Clube Pinheiros. Na sintaxe inglesa, seria Pinheiros Esporte Clube. Na sintaxe luso-brasileira, seria Clube Esportivo Pinheiros. Bem cosmopolita o caso do Football Club Riograndense, de Rio Grande (RS): sintaxe alemã com léxico parcialmente inglês e parcialmente português.

É claro que há clubes que, não obstante a origem alemã, não adotaram a sintaxe alemã. P.ex., Grêmio Foot-Ball Porto-Alegrense (RS), Coritiba Foot Ball Club (PR) e Nacional Atlético Clube, de Rolândia (PR). No entanto, muitos outros a adotam, com ou sem raízes germânicas que justifiquem isso, provavelmente em razão de influência ou inspiração em modelos nacionais que haviam adotado a sintaxe alemã. P.ex., Futebol Clube Santa Cruz (RS), Esporte Clube Cruzeiro (RS), Esporte Clube São José (RS), Esporte Clube São Luiz (RS), Atlético Clube Paranavaí (PR), Esporte Clube Mogiana (SP) etc.

3.3. Sintaxe neolatina

Apenas para fins didáticos, na exposição feita neste estudo, chamo de sintaxe neolatina aquela em que o nome do clube obedece à organização sintática normal das línguas neolatinas, como a portuguesa. Não desdenho as diferenças entre as sintaxes dessas línguas. Só as estou reunindo sob um mesmo título porque, no que diz respeito ao ponto sob estudo, elas apresentam as mesmas feições.

Pelo levantamento que fiz, os nomes que seguem a sintaxe neolatina seguem duas modalidades básicas de estrutura sintática, sendo a primeira a mais comum:

a) tipo da entidade + tipo de atividade + núcleo do nome;
b) tipo da entidade + núcleo do nome + tipo de atividade.

Vejamos primeiramente alguns clubes da colônia italiana que seguem a sintaxe neolatina (todos na modalidade: tipo da entidade + tipo de atividade + núcleo do nome):
  • AA Firenze (SP),
  • Athlético Itália (SP) – em elipse, o tipo da entidade: [Clube] Athlético Itália,
  • Centro Recreativo Sportivo Piemonte (SP),
  • CA Ítalo-Brasileiro (SP),
  • Società Calcista Fiorentina (SP),
  • Società Sportiva Palestra Italia (MG e SP).

Isso não significa que todos os clubes da colônia italiana seguiram essa sintaxe. Há vários com a sintaxe inglesa, p.ex.:
  • Bersaglieri FC (SP),
  • Itália FC (SP),
  • Italo FC (SP),
  • Palestra Italia FC (PR),
  • Ruggerone FC (SP),
  • Savoia FC (PR).

Há inclusive com sintaxe alemã, p.ex., o EC Humberto Primo.
Há clubes dos oriundi cuja sintaxe evoluiu para a neolatina, p.ex.:
  • SC Savóia (sintaxe alemã), depois mudou para CA Votorantim (SP),
  • Cotonifício Rodolfo Crespi FC (sintaxe inglesa), depois mudou para CA Juventus (SP).
Falando em Juventus, compare-se o Atlético Clube Juventus (AC), de sintaxe alemã, com o Clube Atlético Juventus (SP), de sintaxe neolatina.

Ainda dentro do espectro neolatino, temos poucos times da colônia espanhola. Tem o Hespanha Foot Ball Club (SP), que depois mudou para Jabaquara AC (SP), mas manteve a sintaxe inglesa. Tem também o EC Galícia (BA), de sintaxe alemã. Não lembro de time dessa colônia com a sintaxe neolatina.

Entre os clubes fundados por afrodescendentes, George Reid Andrews cita a AA São Geraldo (SP) e o Clube Cravos Vermelhos (SP), que depois mudou de nome para CA Brasil. Como se vê, os três nomes seguem a sintaxe neolatina.

Quanto aos clubes da colônia portuguesa com sintaxe neolatina, temos os seguintes (obs.: mantida a ortografia exatamente como consta nos livros):
a) tipo da entidade + tipo de atividade + núcleo do nome:
  • AA Luzíadas (SP),
  • AA Portuguesa (RJ),
  • AA Portuguesa (SP),
  • CR Vasco da Gama (RJ),
  • Grupo Desportivo Musical Luso-Brasileiro (SP),
  • União Esportiva Portuguesa (AM);
b) tipo da entidade + núcleo do nome + tipo de atividade:
  • Associação Portuguesa de Desportos (SP),
  • Associação Portugueza de Futebol (SP);
c) tipo da entidade + núcleo do nome (omite o tipo de atividade):
  • Associação Portuguesa Londrinense (PR),
  • Tuna Luso Brasileira (PA).

Mas também há clubes luso-brasileiros com sintaxe inglesa, p.ex., Luso SC (AM e CE) e Portuguesa FC (CE). E até alemã, p.ex., o SC Luso Brasileiro (MA).

Interessante a comparação da sintaxe de três clubes cujo nome possui o mesmo núcleo, “Luzitano”:
a) sintaxe neolatina: AA Luzitano (SP),
b) sintaxe inglesa: Luzitano FC (SP),
c) sintaxe alemã: SC Luzitano (SP).

Já entre os demais clubes brasileiros, temos incontáveis exemplos de nomes que seguem a sintaxe neolatina:
a) tipo da entidade + tipo de atividade + núcleo do nome:
  • AA Internacional (SP),
  • AA Ponte Preta (SP),
  • AD Leônico (BA),
  • CA Paulistano (SP),
  • CA Taquaritinga (SP),
  • CF Amazônia (RO),
  • CF Zico (RJ),
  • Clube Recreativo e Atlético Catalano – Crac (GO),
  • CR Flamengo (RJ),
  • GE Brasil (RS),
  • SER Caxias (RS),
  • União Recreativa dos Trabalhadores – URT (MG);
b) tipo da entidade + núcleo do nome + tipo de atividade:
  • Associação Ferroviária de Esportes (SP),
  • Associação Portuguesa de Desportos (SP).

A propósito, a mesma sintaxe dos idiomas neolatinos, pelo menos no que diz respeito aos nomes dos clubes, é seguida pelos clubes da colônia polonesa. Refiro-me aos clubes esportivos da colônia polonesa em Curitiba, sendo que o Junak teve várias “filiais” abertas em cidades do interior do Paraná.

O mais antigo desses clubes foi a Towarzystwo [sociedade, companhia] Gimnastyczne [ginástica] Sokol [Falcão], fundada em 1898. Note-se que a tradução segue exatamente a sintaxe luso-brasileira: Sociedade de Ginástica Falcão.

O segundo clube foi a Sociedade Esportivo-Ginástica Strzelec [O Atirador], fundada em 1922. Em 1925, mudou de nome para Towarzystwo [sociedade] Wychowania [educação] Fizycznego [física] Junak [juvenil, audaz, destemido]. Em 1938, esse clube mudou de nome mais uma vez, para sua exata tradução: Sociedade de Educação Física Juventus.
Como se vê, todos esses nomes seguem, como dissemos, a sintaxe neolatina.

3.4. Uma sintaxe amazônica?

Nessa minha pesquisa sobre a sintaxe dos nomes de clubes brasileiros de futebol, encontrei uma construção um tanto diferente das que foram acima analisadas. Os exemplos falam por si:
  • Atlético Barés Clube (AM),
  • Atlético Clíper Clube (AM),
  • Atlético El-Dorado Clube (AM),
  • Atlético Guanabara Clube (AM),
  • Atlético Rio Negro Clube (AM),
  • Atlético Rio Negro Clube (RR),
  • Atlético Progresso Clube (RR),
  • Atlético Roraima Clube (RR).
Vamos fazer a comparação das sintaxes, tomando o exemplo do Clíper. Se adotasse a sintaxe inglesa, seu nome seria Clíper Atlético Clube. Se adotasse a alemã, Atlético Clube Clíper. Pela luso-brasileira, Clube Atlético Clíper. A sintaxe adotada por ele, como se vê, não é nenhuma dessas.

Em pesquisa no livro de José Renato Santiago Jr., na Enclopédia Lance, no Arquivo de Clubes, em números especiais da Placar e em outras fontes, só encontrei clubes nesses dois Estados. Nada no Acre, Amapá, Pará ou Rondônia. Melhor dizendo, apenas uma exceção a confirmar a regra, o Atlético Brasil Clube, de Paraguaçu Paulista (SP) – provavelmente para que as iniciais fossem “ABC”.
Qual a origem dessa sintaxe? A conferir.

4. Para finalizar

Ao fim deste estudo, podemos concluir que, de fato, os nomes dos clubes de futebol apresentam características morfológicas e sintáticas que merecem uma análise mais aprofundada. Há padrões, seja na escolha das palavras, seja na sua organização. 

Esses padrões são identificáveis e podem traduzir não só as idéias gerais que norteiam a fundação desses clubes mas, a rigor, as próprias ideologias e mitologias que cercam o universo cultural e histórico do futebol. Nomen est omen! Por isso, um estudo nesse sentido certamente constituiria parte de uma abordagem mais ampla do que podemos chamar de “semiologia” (lato sensu) dos clubes brasileiros de futebol.

Mãos à obra! – ou melhor, em se tratando de futebol, seriam “pés à obra”. Se, como diria Lao-Tzu, “a viagem de mil milhas começa diante dos teus pés”, é justamente nesse mesmo lugar, do primeiro passo, que pode haver uma bola. Quicando...

Laércio Becker.

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